quinta-feira, 18 de março de 2010

Fraudes


"Sempre gostei de fraudes!"-disse-me ela enquanto encolhia os ombros e esticava os braços num movimento recheado de 50% constatação e outros 50 de resignação adulta...
E tinha razão a menina senhora adulta...eu sabia porque tinha assistido a muitos episódios que o provavam. Assistido e em silêncio, sem opinar ou intrometer-me, a minha faceta profissional permanecia imaculada. Já todo o meu interior de ser humano só pensava em bater-lhe e matá-la por cada vez que me aparecia assim, mais estilhaçada do que da vez anterior...

"A sério que desta vez é diferente!"-pronto! Here we go again:os olhos brilham, a excitação contamina, quase que se cheiram as feromonas e ela resplandece, voltou a sentir, está quase feliz não fosse a sombra que dali já não sai e juraria que sim, que desta vez ela poderia quase ter razão e ser mesmo a altura do "Final Feliz". Aparece por estas alturas para uma ou duas consultas, quase como a pedir a benção:"posso?O que achas depois do que te expliquei?Eu acho que ele percebeu que não me pode magoar, que estou cansada e que não quero confiar nele à toa, não me posso autorizar a sair disto magoada, outra vez! SE com este discurso não o afastei é porque ele vale a pena não achas? É porque é dos duros, dos que me poderiam fazer feliz?"
Eu calo-me, tenho que me ir deitar com a minha consciência e não com ela; na minha folha de registos de ética não há nódoas a lamentar!

Como é que alguém tão perspicaz e astuta como ela se deixa levar vezes e vezes assim...???Não passa de uma crédula, diz que não, que já não sente que desta vez é a última que se deixa enganar, que próximo não passará as barreiras todas e no fim é tão fácil:mostram-se preocupados e atentos, que é dela que precisam, que não tenha medo que eles estarão cá para os cacos que a vida lhe der e depois...volta ela a marcar duas ou três sessões para se expiar do que se autorizou a sentir, a magoar-se. Um caminho de autodestruição que começa com pontos de interrogação, evolui para sorrisos e acaba sempre com a constatação da fraude: "Sinto-me sempre um erro na vida de alguém...!"

"Sempre gostei de fraudes! Ele deixou-me..."-muda o cenário e o registo a partir daqui. No carro, no campo, na praia, em Sagres, na casa dele, ao telefone, via mail, sms ou apenas numa noite entre um copo e um cigarro, muda tudo e lá vem ela destruída...outra vez!

Admiro-me como consigo suportar pessoas assim...detesto gente sentimental e no fundo a culpa é só de quem se autoriza a sentir.
Ao fim do dia volto sozinha para a minha casa onde partilho a minha solidão com a minha profissão. Imaculada, virgem e insensível.

2 comentários:

vvro disse...

Texto bonito, nunca perdes o teu toque.

Tiago disse...

é... viver tem dessas coisas. estar aqui é uma coisa... VIVER, é outra. Se quisermos VIVER, temos que nos abrir às experiências (com cuidado), mas com a consciência que tudo pode acontecer. Mas nada ou quase nada deve te afetar durante muito tempo.
Sentir porque somos feitos de sentimentos, mas pensar porque quem nos salva é a razão.
Mas VIVER temos sempre. senão é como passar horas numa fila pra ir pra praia e quando chega lá fica-se vestido de costas pro mar sem sequer sentir ou respirar a marisia. Não vale a pena. Por pior que esteja o trânsito, quando se chega na praia a gente relaxa e curte.
É assim com tudo ;)
Gosto sempre dos teus textos, menina! Fica bem